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Sobrevivência de doente leva STJ a determinar à Unicamp pagamento imediato de indenização

Soropositivo do Mal de Chagas contraído em um transplante de rim realizado pelo Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o metalúrgico licenciado Eliel Ferreira Júnior assegurou no Superior Tribunal de Justiça o direito de receber, imediatamente, pensão mensal de dez salários mínimos. A Primeira Turma do STJ decidiu, por unanimidade, rejeitar a pretensão da Unicamp de fazer valer a Lei 9.494 (artigo 1º) para suspensão da tutela antecipada concedida pela Justiça a fim de garantir a sobrevivência do doente.

Segundo o entendimento dos cinco ministros que julgaram o recurso, essa lei deve ser interpretada de forma restritiva e não cabe sua aplicação em casos “especialíssimos”. Comprovado o estado de necessidade e a exigência de preservação da vida humana, impõe-se a antecipação da tutela para garantir ao doente o tratamento necessário à sua sobrevivência, disse o relator do processo, ministro Garcia Vieira. Pessoa pobre, afirmou o relator, Eliel não teria como pagar o tratamento e remédios necessários à preservação de sua vida. “Estamos diante de um verdadeiro estado de necessidade, sendo justificável e legítima a antecipação de tutela”, ressaltou.

Com insuficiência renal diagnosticada em 1989, o metalúrgico foi submetido a transplante no Hospital de Clínicas em julho de 1991, quando tinha 23 anos. Além da doença de Chagas, dois anos depois detectou-se que o rim transplantado apresentava o mesmo problema do órgão de nascença (Gluomero Nefrite Crônica). A partir de então, houve a perda gradativa do rim transplantado. Em outubro de 1993, o órgão perde definitivamente a função por rejeição crônica. Eliel teve de retornar à hemodiálise.

A Unicamp fundamentou-se em estudos científicos para aprovar a doação de rim de um portador de Chagas, uma doença transmitida pelas fezes de um inseto (barbeiro) durante a picada ou pela placenta. “Tendo em vista o baixo número de doadores renais, o elevado número de receptores à espera de um transplante, bem como inexistir na literatura (médica) relatos, até então, que comprovassem a real transmissão da doença de Chagas pelo rim transplantado e considerando que a fase aguda é perfeitamente diagnosticada e tratada, os rins do doador cadáver com sorologia positiva para Chagas, na ausência de comprometimento orgânico, eram utilizados para transplantação”, relatam os advogados da ré.

A Unicamp alegou que a obrigação de reparar danos deve estar relacionada a ação ou omissão culposa. A instituição busca demonstrar não ter havido responsabilidade dos médicos e assegura que, com o transplante, aumentou a expectativa de vida do paciente. Ao confirmar a sentença e a decisão do TJ de São Paulo, o ministro Garcia Vieira rejeita tal tese, com a Teoria do Risco Administrativo, “indiscutivelmente acolhida por nosso ordenamento jurídico”, na qual é desnecessária a existência de culpa do agente público ou qualquer falta do serviço para caracterizar a responsabilidade civil. É preciso apenas a prova do dano e da relação de causalidade que, segundo o relator, são inegáveis no caso de Eliel. Ele afirma que a jurisprudência adotada pelos tribunais é de condenar a Administração Pública a pagar indenização às vítimas.

A juíza Deborah Ciocci Alvarez de Oliveira, da 5ª Vara Cível de Sorocaba (SP), cidade onde mora Eliel, condenou a ré por danos morais em decorrência da dor e do sofrimento do paciente com a contaminação de uma doença incurável. Ela negou o pedido de indenização por dano material porque o autor da ação não comprovou se era apto para o trabalho antes do transplante e nem que ficou incapacitado depois dele. Ele também não apresentou comprovação de gastos com medicação para ter direito ao ressarcimento. Em novembro de 1999, cinco meses depois da sentença, Eliel obteve tutela antecipada para receber pensão mensal de dez salários mínimos pelo período de expectativa de vida, a ser calculada em perícia. A juíza Deborah Ciocci determinou a inclusão do nome dele na folha de pagamento da Unicamp e também o pagamento retroativo da pensão desde a data do transplante em parcela única.