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Acordo extrajudicial feito por pai envolvendo direito de filho menor é nulo

Acordo extrajudicial feito pelo pai ou a mãe em nome do filho menor é nulo, no caso da transação implicar em renúncia de direitos ou de valores monetários do menor. Esse é o entendimento unânime da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. Segundo os ministros, o acordo feito pelo pai ou a mãe envolvendo a quitação de direitos indenizatórios do filho deve, necessariamente, ser realizado com a fiscalização do Poder Judiciário e do Ministério Público.

No dia 9 de novembro de 1991, o ônibus da empresa Real Expresso Ltda, com destino à cidade de Igarapava, interior de São Paulo, se desgovernou no Km 148 da Via Anhanguera. O veículo caiu sobre muros de arrimo e, em seguida, incendiou. O acidente causou a morte de 16 pessoas, entre elas, Jandira Santos e sua filha Vanessa Santos, mãe e irmã, respectivamente, de Wagner e Waldiléia Santos, na época menores.

Inconformados com a trágica perda da mãe e da irmã, Wagner e Waldiléia entraram com uma ação contra a Real Expresso. No processo, os dois pediram uma indenização por danos materiais, pois na época do acidente dependiam economicamente da mãe, feirante vendedora de caldo de cana e proprietária de uma microempresa. Os filhos de Jandira também solicitaram uma indenização por danos morais no valor de 500 salários mínimos pelos sofrimentos causados pela perda das familiares.

A Real Expresso contestou a ação alegando que, na época do acidente, teria feito um acordo com o pai dos então menores. De acordo com a empresa, João Pereira, pai de Wagner e Waldiléia, e o irmão maior dos dois, Márcio Alves de Souza, teriam recebido uma indenização no valor de Cr$ 15 milhões. Dessa forma, os filhos de Jandira não teriam mais nenhum direito a ser levado à Justiça. Wagner e Waldiléia protestaram afirmando que o acordo só envolveria o pai e o irmão maior, não tendo eficácia com relação a eles.

O Juízo de primeiro grau acolheu a contestação da Real Expresso e extinguiu o processo sem julgar seu mérito. De acordo com a sentença, a transação particular seria válida, pois o pai detinha o pátrio poder e o ato não teria ultrapassado os limites dos poderes de administração sobre os bens dos filhos.

Wagner e Waldiléia apelaram obtendo decisão favorável no Tribunal de Alçada Civil de São Paulo. “A realidade é que não podia o pai dos autores (Wagner e Waldiléia) dar quitação de direitos substanciais dos filhos menores sem que estivesse munido de autorização judicial”, entendeu o TAC/SP. Com a decisão, o Tribunal anulou o acordo feito entre o pai de Wagner e Waldiléia e a Real e determinou o retorno do processo à primeira instância para o julgamento do mérito do pedido de indenização. Com isso, a Real Expresso recorreu ao STJ reafirmando a validade da transação. Segundo a empresa, o pai dos menores não teria excedido os limites da simples administração, pois não teria contraído obrigações em nome dos filhos, mas sim, recebido indenização por eles.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do processo, manteve a decisão do TAC/SP, sendo seguida pelos demais integrantes da Turma. Assim, o processo volta à primeira instância para o julgamento do mérito do pedido de indenização. Para Nancy Andrighi, a transação extrajudicial é um negócio jurídico bilateral implicando sempre “em concessões recíprocas” não podendo ser considerada, por isso, “ato de mera administração a autorizar o pai a praticá-la independentemente de autorização judicial”.

A relatora lembrou o artigo 82 do Código de Processo Civil enfatizando a importância da atuação do Ministério Público nesse tipo de acordo. “Exige-se a atuação do Ministério Público como mecanismo para reprimir ou prevenir qualquer ato fraudulento ou malicioso, praticado em desfavor dos incapazes”. A ministra destacou, ainda, que a anulação do acordo feito diretamente pelo pai com a empresa não seria uma medida “incompatível com a agilidade da vida moderna”. Segundo Andrighi, “é cediço que um negócio jurídico bem feito, realizado sob as amarras fiscalizatórias do Poder Judiciário e do Ministério Público tem menos chances de gerar problemas futuros que os que se dão ao largo dessa intervenção”, prevenindo, até, novos processos.