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Costa Leite: Judiciário é sensível aos motivos do racionamento, mas tem de zelar pelos direitos

Os motivos de força maior que provocaram as medidas de racionamento de energia elétrica serão levados em conta pelo Judiciário em eventuais processos movidos em torno da questão, mas os direitos individuais de cada situação também serão analisados pelos magistrados. A afirmação foi feita hoje (18/05) pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Paulo Costa Leite, durante entrevista concedida à rádio CBN, quando também foi mencionada a liberdade de convicção dos juízes. “Tudo dependerá, contudo, de cada caso concreto a ser analisado pelo juiz na hora de proferir a sua decisão. E neste momento, o juiz não se subordina a ninguém, senão à Lei e à sua consciência. O juiz é livre para decidir”, afirmou o presidente do STJ, para quem um futuro estado de emergência também não afastará do cidadão a prerrogativa de acionar o Judiciário quando entender que um direito seu tenha sido violado. Segue a íntegra da entrevista com o presidente do STJ, ministro Paulo Costa Leite:

O sr. acredita que haverá consideração dos membros do Poder Judiciário em eventuais processos decorrentes das medidas sobre o racionamento de energia?

A Justiça brasileira é sensível ao que hoje está acontecendo no País. Nós não podemos fechar os olhos para a realidade e para os fatos. Nós, do Poder Judiciário, estamos empenhadíssimos em contribuir para o esforço nacional em face do racionamento de energia. Agora, uma coisa é o Poder Judiciário atuando como órgão pertencente à administração geral do País, outra coisa é o Judiciário sendo acionado para julgar ações em que se discute ofensa ou lesão a determinados direitos. As pessoas não podem ter direitos lesados sem que o Poder Judiciário tenha a capacidade de restaurá-los. Não tenho a menor dúvida de que a circunstância de estarmos diante de uma situação de força maior haverá de ser levada em conta pelo Judiciário. Tudo dependerá, contudo, de cada caso concreto a ser analisado pelo juiz na hora de proferir a sua decisão. E neste momento, o juiz não se subordina a ninguém, senão à Lei e à sua consciência. O juiz é livre para decidir. Por isso, eu não tenho a menor condição de afirmar, como presidente do STJ, de dizer que vai se decidir assim ou assado. Quando chegar a ação, o juiz vai examinar os fatos e aplicar o direito a estes fatos. É claro, volto a dizer, que será levada em conta a realidade vivida pelo País. Nenhum juiz desse País é irresponsável. Lamentavelmente, nós estamos vivendo hoje um momento dramático para o País e isso tudo se deve à incúria, à imprevidência, à falta de planejamento. Não é possível que esse problema tenha chegado a tal ordem de grandeza se não houvesse um erro de planejamento, uma falta de previsão incrível. Alguém errou e disso eu não tenho a menor dúvida.

Dentre as medidas anunciadas há duras sanções para os que não corresponderem às metas determinadas, não apenas pagamento de sobretaxa, mas o corte de energia nas residências por três dias por descumprimento das metas e de seis dias no caso de reincidência. Há amparo legal para um corte deste porte que pode trazer transtornos domésticos imponderáveis? Existe amparo legal para corte de um serviço essencial como é a energia elétrica?

Esse é um serviço público realmente essencial. O Superior Tribunal de Justiça, em condições de normalidade, já decidiu que, em se tratando de um serviço essencial não pode haver o corte, inclusive por falta de pagamento. Agora há um fato novo, que há de ser apreciado pelos órgãos jurisdicionais, trata-se do problema da força maior, de estarmos praticamente diante de uma calamidade pública. Neste momento não adianta mais procurarmos os culpados; é claro que há culpados, alguém deixou de fazer o que deveria ter feito no momento adequado. A verdade é que estamos numa situação muito difícil. Por outro lado, o Judiciário também não pode, de forma alguma, em razão disso, esquecer os direitos individuais constitucionalmente garantidos. Esses direitos não podem ser atropelados. Essas medidas do governo têm de levar em conta esse aspecto. Nós estamos vivendo um momento dramático, mas as pessoas não têm culpa pelo que está acontecendo.

O Judiciário possui condições efetivas, materiais, técnicas para uma eventual enxurrada de ações se o cidadão brasileiro entender que está sendo atingido em um direito a um serviço essencial?

Nós sabemos que o Judiciário possui deficiências crônicas, de pessoal, de material, de recursos, etc. Apesar disso, tem procurado cumprir seu papel no sentido de restabelecer a ordem jurídica sempre que esta se vê violada. Talvez não haja um reconhecimento imediato de direito violado, mas isso pode acontecer lá na frente. Isso tudo se houver alguma lesão de direito. Eu não estou dizendo e nem poderia, sob pena de leviandade, afirmar que há uma lesão. Tal hipótese tem de passar por todo um processo para que possa ser afirmada. Eu até penso que o importante, neste momento, é encontramos soluções viáveis para enfrentar problema tão sério e que minimizem quaisquer ofensas aos direitos individuais. Entendo que essa Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica tem de ter esse cuidado: tomar as medidas de forma que não ofendam os direitos das pessoas. Se não for assim, além de todos os problemas já existentes, teremos outro: um Judiciário praticamente inviabilizado por uma enxurrada de ações.

A possível decretação do estado de emergência pelo governo pode excluir o Poder Judiciário de qualquer exame sobre casos de lesão de direitos conforme referimos nessa entrevista?

Jamais o Poder Judiciário ficará impedido de realizar seu exame. Isto porque há um princípio maior, que prevê a inafastabilidade da jurisdição, ou seja, o Judiciário sempre poderá ser acionado por quem achar que seu direito foi violado. É claro que o estado de emergência permite dar contornos de legalidade e constitucionalidade a determinadas medidas. Isso não significa dizer, contudo, que as pessoas que se sintam prejudicadas não possam bater às portas do Judiciário.