O Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade de seus ministros, declarou procedente a denúncia de lavagem de dinheiro supostamente cometida por Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias, participantes do chamado núcleo publicitário, bem como dos componentes do núcleo financeiro, composto por José Roberto Salgado, Ayana Tenório, Vinícius Samarane e Kátia Rabelo, dirigentes do banco Rural.
Indiciamento do núcleo publicitário
De acordo com o relator do Inquérito do mensalão (INQ 2245), ministro Joaquim Barbosa, o procurador-geral atribui a todos eles os crimes constantes do artigo 1º, incisos V, VI e VII, da Lei 9.613/98. Em relação ao núcleo publicitário, laudo pericial contábil indicou a emissão, pelas empresas SMP&B e DNA Propaganda de notas fiscais falsas (vencidas, de acordo com a Secretaria da Fazenda) que simulavam a prestação de serviços para outras empresas.
Segundo consta dos autos, foram descobertos cheques superiores a R$ 10 mil não contabilizados na conta da DNA Propaganda totalizando R$ 4.552.677,00 no exercício de 2003. O exemplo mais gritante, segundo a denúncia, é uma nota fiscal/fatura, no valor de R$ 35 milhões em nome da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP), a chamada Visanet. Essa nota falsa entrou como receita de prestação de serviços. Para se ter noção da irregularidade, a receita bruta anual declarada pela empresa foi de R$ 22 milhões, valor inferior àquele nota fiscal.
Assim, o procurador-geral deduziu que a Demonstração de Resultados do Exercício (DRE) foi elaborado em desacordo com a escrituração. Peritos atestaram que o sistema contábil permitiu o uso de artifícios fraudulentos nas receitas e despesas dessas empresas. Duas escriturações, uma original e outra retificadora foram elaboradas no mesmo período em que os supostos ilícitos teriam sido praticados. Os valores referentes ao ativo total, em 31/12/2003 registrou na escrituração original R$ 5.884.000,00 e na retificadora R$ 53.204.539,00, ou seja, mais de R$ 47 milhões não declarados.
O ministro Joaquim Barbosa ressaltou que, nessas movimentações, ficou evidenciada a contribuição de Rogério Lanza Tolentino, já que foi evidenciada a participação da empresa Lanza Tolentino e Associados, da qual Marcos Valério é sócio, em repasses de recursos a parlamentares. São fortes os indícios de ocultação e movimentação de valores pelas empresa de Tolentino, declarou o ministro. Em uma dessas movimentações, Rogério Lanza Tolentino teria transferido R$ 3.460.000,00 à corretora Bônus-Banval, já descrita nos autos.
Como funcionava a lavagem
De acordo com a denúncia, a SMP&B e DNA Propaganda endossavam cheques a ela destinados, para terceiros, geralmente pessoas simples, que eram obrigadas a assinar recibos dos valores sacados, em dinheiro, na agência do Banco Rural junto à Assembléia Legislativa de Minas Gerais, em Belo Horizonte. No entanto, esses valores não transitavam na contabilidade das empresas de Marcos Valério, caracterizando a dissimulação e ocultação de vultosos valores que eram repassados a parlamentares.
Indiciamento do núcleo financeiro
De acordo com o voto de Joaquim Barbosa, os saques eram feitos em cheques nominais à SMP&B e à DNA Propaganda, mas o banco entregava a terceiros valores substanciais. Assim, para o relator, o Banco Rural tinha conhecimento de quem era o sacador e quem seria o beneficiário final, fato confirmado pelos e-mails enviados por Geiza Dias, informando ao banco quem receberia e a quem se destinavam as somas.
O banco foi denunciado pelo fato de dissimular valores, omitir ao Banco Central os destinatários finais dos saques, com o lançamento dos débitos na conta da SMP&B e DNA, fazendo crer que os valores seriam destinados a essas empresas. Segundo apurou-se no Inquérito, o procedimento foi adotado em conluio entre o Banco Rural e Marcos Valério, quando João Cláudio Genu, assessor do deputado José Janene (PP), foi sacar valores destinados ao parlamentar.
O ministro citou reportagem de revista semanal de circulação nacional em que o ex-superintendente de compliance do Banco Rural Carlos Godinho demonstra que “toda a diretoria do banco continuou encenando a farsa dos empréstimos – e ninguém desconhecia que tudo era mesmo uma enorme farsa”, mesmo após a morte de José Augusto Dumont, quando Ayana Tenório o sucedeu. Para o banco, segundo o depoente, era interessante manter o esquema em troca de favores, lobbies e recursos do Bacen.
Assim, disse o ministro, pode-se perceber que há indícios da participação do Banco Rural e sua diretoria, não reclamando, neste momento, a individualização da participação de cada um dos dirigentes nos supostos delitos. Para o relator, ao se analisar o organograma e funcionalidade da direção do Banco Rural, deduz-se que a acusação se justifica pela responsabilidade solidária de todos os indiciados responsáveis pela direção da instituição.
Também foi citado, no voto do relator, o depoimento em CPMI, da presidente Kátia Rabello, sobre os saques ocorridos na agência do Rural em Brasília. Ela afirmou que a agência de Belo Horizonte autorizava os saques em Brasília, chegando a valores superiores a R$ 600 mil em um único saque. No entanto, qualquer operação acima de R$ 100 mil deve ser informada ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). Assim, Kátia Rabello não teria explicado como o Banco Rural permitiu os saques feitos por terceiros sem registrar os beneficiários finais de vultosas somas, através de cheques nominais à SMP&B e DNA Propaganda.
O relator encerrou seu voto, acompanhado por unanimidade, no sentido de acatar a denúncia do procurador-geral da República, contra todos os denunciados nos dois núcleos, pelo crime de lavagem de dinheiro. O ministro Ricardo Lewandowski ressalvou seu voto em relação ao inciso VII [praticado por organização criminosa] por entender que essa tipificação traria sanções mais severas aos denunciados. Esse entendimento foi subscrito também pela ministra Cármen Lúcia Rocha e Eros Grau.