A Justiça do Rio condenou a Delta Air Lines a pagar indenização de 600 salários-mínimos à família de uma menina brasileira vítima de discriminação em um vôo da empresa. A garota e mais três amigos iriam participar de um encontro internacional de jovens nos Estados Unidos, em junho de 2002, quando foram retirados de dentro do avião para dar lugar a cidadãos americanos.
Desembargadores que integram a 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio classificaram os fatos como uma demonstração inequívoca da prática de xenofobia contra as crianças, com a agravante de que elas, à época com 11 anos, viajavam com uma monitora e estavam desacompanhados dos pais. A condenação manteve a sentença proferida pela juíza Lecília Ferreira Lemmertz, da 33ª Vara Cível da capital. No entanto, por considerarem os fatos extremamente graves, os desembargadores decidiram, por dois votos a um, aumentar o valor da indenização por danos morais, que fora fixada pela juíza em 400 salários-mínimos.
A ação de indenização foi ajuizada pelo casal Artur Fernandes Monteiro e Josenete Veloso Monteiro, pais da menina. Segundo eles, a filha iria participar de um encontro de convivência internacional de jovens, na cidade de Bengor, no Estado de Maine, nos Estados Unidos. Tudo transcorreu com normalidade até a escala em Boston, quando, ao se dirigir ao “check in”, o grupo brasileiro foi informado de que não havia lugar no vôo da última conexão para Bengor, em razão do chamado “overbooking”.
Uma funcionária confirmou novo embarque para o vôo das 14h30. Depois de três horas de espera, as crianças finalmente entraram no avião. Mas foram surpreendidas por outro funcionário da companhia, que mandou que todas se retirassem porque os assentos seriam ocupados por americanos. Diante da recusa da monitora que conduzia o grupo, o funcionário ameaçou retirá-los com a ajuda da segurança.
Por não haver outro vôo no mesmo dia, a empresa obrigou os jovens a seguir viagem de ônibus, num percurso de cerca de cinco horas, sem sequer lhes entregar as bagagens. O grupo chegou ao seu destino à meia-noite do dia 28 de junho, quando a previsão era estar lá às 13h30.
Em sua defesa, a Delta alegou, preliminarmente, não ser ela a responsável pelo trecho Boston-Bengor, mas sim uma empresa parceira. Argumentou, ainda, que o problema foi causado pelo “overbooking”, tendo a companhia providenciado que a menina e seus amigos chegassem ao seu destino o mais breve possível, uma vez que somente haveria um novo vôo para Bengor no dia seguinte.
Na sentença de 1ª instância, a juíza Lecília Ferreira Lemmertz ressaltou que somente a ocorrência do “overbooking” já seria suficiente para ensejar uma indenização. “O ato, além de arbitrário, foi discriminatório, tendo em vista que a alegação era de que o lugar pertencia a nacionais”, afirmou. Relator do recurso na 13ª Câmara Cível, o desembargador José de Samuel Marques frisou que, no estado democrático de direito vigente no Brasil, a prática de xenofobia é proibida. O infrator está sujeito a sanções severas, inclusive de natureza penal.
“O fato ocorreu nos Estados Unidos, onde, sabidamente, os padrões das indenizações por danos morais são elevados. Considerando isto e que se fosse um cidadão dos Estados Unidos, retirado do avião, sob a alegação de superlotação para ceder a lugar a outro (seja de que nacionalidade fosse), a indenização seria astronômica”, destacou.
A família da menina, porém, não ficou satisfeita com o valor da indenização arbitrado pelo Tribunal. Ela entrou com recurso especial para que o Superior Tribunal de Justiça reexamine a questão. A Delta Air Lines também está recorrendo da condenação.