O Supremo Tribunal Federal, em julgamento concluído em 18 de dezembro, voltou a declarar a inconstitucionalidade da tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas e fixou prazo de 180 dias para que a União finalize todos os processos demarcatórios pendentes no país.
Pela tese derrotada, apenas seriam reconhecidas como terras indígenas aquelas ocupadas pelos povos originários na data da promulgação da Constituição de 1988, entendimento que vinha sendo defendido em lei aprovada pelo Congresso Nacional em reação ao julgamento de 2023. A Corte, contudo, reafirmou a incompatibilidade dessa limitação com a Constituição, especialmente com o regime jurídico dos direitos originários sobre as terras tradicionalmente ocupadas.
Voto do relator e diretrizes para uso das terras
O relator, ministro Gilmar Mendes, foi acompanhado pela maioria e propôs, além da rejeição do marco temporal, a fixação de parâmetros para o uso econômico dos territórios já demarcados. Entre as diretrizes, admite-se o exercício de atividades econômicas, inclusive turísticas, desde que:
- os benefícios alcancem a coletividade indígena envolvida; e
- seja preservada a posse tradicional das terras pelas comunidades.
O voto também sugeriu balizas para eventual legislação futura sobre a matéria, buscando harmonizar a proteção constitucional dos povos indígenas com a disciplina infraconstitucional sobre regularização fundiária e exploração econômica.
Composição de votos e divergências parciais
Acompanharam integralmente o relator os ministros Luiz Fux e Alexandre de Moraes. Flávio Dino, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, André Mendonça e Kassio Nunes Marques aderiram ao resultado, mas registraram ressalvas pontuais.
No mérito específico do marco temporal, André Mendonça foi o único a divergir, ao sustentar a legitimidade da decisão legislativa tomada por maioria qualificada no Congresso. Kassio Nunes Marques, que havia votado em 2023 pela validade do marco, ajustou seu posicionamento em respeito ao entendimento consolidado pelo colegiado.
Os ministros Luiz Edson Fachin, relator da ação julgada em 2023 sobre o tema, e Cármen Lúcia também rejeitaram o marco temporal, mas divergiram do relator em pontos como o tratamento das indenizações e a possibilidade de concessão de áreas alternativas às comunidades indígenas afetadas.
Dinâmica processual e interação com o Legislativo
O caso alternou sessões presenciais e ambiente virtual, sendo devolvido ao plenário virtual pelo relator para acelerar a conclusão do julgamento. A movimentação ocorreu em paralelo à atuação do Senado Federal, que, em 9 de dezembro, aprovou proposta legislativa instituindo o marco temporal em deliberação célere, realizada em dois turnos na mesma data.
A decisão do STF, nesse contexto, reafirma a competência da Corte para o controle de constitucionalidade da norma recém-aprovada, estabelecendo os contornos jurídicos vigentes para a regularização das terras indígenas, independentemente das iniciativas legislativas em curso.
Reconhecimento da omissão estatal e prazos administrativos
Um dos pontos centrais do voto do relator é o reconhecimento da omissão da União no cumprimento do prazo, previsto originalmente até 1993, para conclusão das demarcações. A partir desse diagnóstico, restou determinado que:
- a Funai elabore uma lista de antiguidade das reivindicações territoriais indígenas; e
- seja observado o prazo de dez anos, contado da definição dessa ordem de prioridade, para a finalização de todos os procedimentos demarcatórios.
Com isso, o Supremo vincula a Administração Pública a um cronograma objetivo, conferindo maior densidade jurídica à previsão constitucional de proteção das terras tradicionalmente ocupadas e à responsabilidade da União na efetivação desses direitos.





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