A Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, no Rio de Janeiro, recebeu ontem (12) diversas autoridades para debater questões jurídicas vinculadas à intervenção federal na segurança pública do estado. Um dos temas abordados foi o uso de mandados de busca e apreensão coletivos.
A validade do instrumento foi defendida pelo presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), desembargador Milton Fernandes de Souza, e pelo procurador de Justiça Militar Luciano Moreira Gorrilhas que participaram do evento.
O mandado coletivo permitiria a busca por bens e suspeitos não apenas em um local específico, como um imóvel, mas em uma área maior, como um quarteirão, uma rua ou um bairro. Este tipo de medida não é prevista na legislação brasileira, o que leva algumas entidades, como a Defensoria Pública do Rio de Janeiro e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a considerarem um instrumento ilegal.
Para o desembargador Milton Fernandes de Souza, o uso do mandado coletivo não é uma novidade. “Já foi pedido e já foi expedido em outras ocasiões. Não é de hoje que isso acontece. Veja bem: são mandados por área delimitada. São áreas pequenas e delimitadas. Se não for assim, quando não há condições de se identificar ruas e casas em lugares não urbanizados, a operação não ocorre. E aí não se combate o ato ilícito penal”, avaliou o presidente do TJRJ. Até o momento, o Gabinete de Intervenção Federal não recorreu à medida.
O procurador de Justiça Militar Luciano Moreira Gorrilhas lembrou que tanto o Código Penal como o Código do Processo Penal são dos anos 1940, época em que a discussão sobre mandado coletivo não estava colocada. “Foi a partir de 1980 que houve um grande crescimento populacional desordenado e, em muitos lugares, a maioria das casas não tem numeração. Precisamos levar em consideração as características das comunidades onde não há mapeamento. Nem mesmo os Correios conseguem entregar correspondências. Quem já visitou comunidades sabe. Muitas vezes é tudo entregue na associação de moradores”.
Luciano Gorrilhas mencionou ainda a garantia da inviolabilidade de domicílio que, para ele, não pode se sobrepor ao direito à segurança pública e à vida. Ele ponderou, porém, que para se autorizar um mandado coletivo é preciso avaliar se é o meio adequado e se é insubstituível.
“É apropriado? O direito fundamental da inviolabilidade de domicílio é absoluto? Não existe direito absoluto, todos são relativos. E quando há colisão de direitos fundamentais, como se resolve? Aí vem o princípio da proporcionalidade”. O procurador citou exemplos em que o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou legal autorizações judiciais para apreensão e violação de correspondências em favor da segurança pública.
Emendas constitucionais
Durante o debate, também houve divergências. Uma delas no que diz respeito ao Artigo 60 da Constituição Federal de 1988. O dispositivo estabelece que “a Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio”. Em fevereiro, quando a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro foi decretada pelo presidente Michel Temer, o governo chegou a cogitar a possibilidade de suspender o decreto temporariamente para votar a Reforma da Previdência.
“Não há previsão constitucional para isso, e assim não podemos fazer”, disse o presidente do TJRJ, desembargador Milton Fernandes de Souza. Os juristas presentes que opinaram sobre o assunto concordaram. No entanto, houve discordância se uma emenda constitucional pode tramitar ou não. Para o presidente do TJRJ, ela pode até ser votada, mas não pode ser promulgada. “Por medida de cautela, o processo legislativo poderia seguir, votar, e depois se resolveria a promulgação”.
Já o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), vem defendendo que a tramitação é lícita, mas não pode ocorrer votação. Por outro lado, Fernando Barbalho Martins, subprocurador-geral do estado do Rio de Janeiro (PGE-RJ), discorda. “Parece a mim que não é possível sequer discutir a emenda constitucional durante o período de intervenção. A ideia é não submeter o Congresso a uma discussão da relevância de uma emenda sem que o país esteja na sua normalidade. O processo de intervenção é um processo anômalo”.
Na opinião do subprocurador-geral, esse seria inclusive um dos motivos para que a intervenção federal não tivesse sido decretada em anos anteriores. “Acho até que demorou a ocorrer. O que me parece é que a intervenção não vinha justamente pela necessidade dos sucessivos governos promoverem reformas constitucionais. E isso foi adiando o problema”.
O subprocurador-geral também explicou as competências das diversas esferas de Justiça e as atribuições do interventor. Para ele, Braga Netto tem o mesmo nível de responsabilidade do governador Luiz Fernando Pezão, e, então, seria o responsável por sancionar e vetar leis aprovadas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) que dizem respeito à segurança pública.
Também participaram do debate o procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, José Eduardo Gussem, e consultores jurídicos da União. O secretário de Segurança Pública do estado, general Richard Nunes, participou como ouvinte, e não deu declarações.