Em decisão unânime, a 5ª Turma Cível do TJDFT manteve sentença da 12ª Vara Cível de Brasília, que julgou improcedente pedido de reintegração de posse de imóvel, por considerar devidamente demonstrada a necessidade dos apelados de permanecerem no bem em disputa e a suficiente capacidade econômica da autora, para fornecer moradia digna a seus genitores.
A autora relata que é filha dos demandados, os quais residem em imóvel de sua propriedade, ocupado pelas partes conjuntamente. Ao conquistar sua independência financeira e adquirir imóvel para sua própria moradia, em 2002, deixou a casa em que vivia com seus genitores e foi morar em outro apartamento. Em 2013, ajuizou ação de interdição dos réus, quando seu irmão foi nomeado curador e, segundo ela, comprometeu-se em levar os pais para sua residência – o que não foi feito. Assim, requereu a reintegração de posse sobre o imóvel em questão.
Os demandados, por sua vez, alegam que a autora nunca exerceu posse sobre o imóvel e que, em verdade, o imóvel foi adquirido por eles, mas apenas registrado em nome da autora, sendo que ocupam o apartamento desde sua aquisição, em 1995. Descreveram sua delicada situação de saúde – vale destacar que a ré necessita de serviço diário de “home care” e assistência para todos os seus atos – e narram o recebimento de cuidados de saúde por seu curador, no referido apartamento.
Inicialmente, a juíza explica que, “a rigor, a ocupação do imóvel sob disputa ocorreu mediante consentimento da autora e ciência por parte dos réus de que a propriedade do imóvel pertence à requerente, nos moldes do registro na respectiva matrícula e na forma do artigo 1.245 do Código Civil”. Tratou-se, portanto, de ocupação fundada em comodato tácito, constituído, no presente caso, por prazo indeterminado, conclui a julgadora. Acrescenta, ainda, que, nesse caso, por força da norma inserta no artigo 581 do Código Civil, não é permitido suspender o uso e o gozo do bem emprestado enquanto ainda for útil ao comodatário, salvo comprovação de situação de necessidade urgente e imprevista.
A magistrada observa que a autora anuiu “por mais de uma década com a ocupação do imóvel por seus pais, sem apresentar resistência e, quando o uso do bem tornou-se ainda mais necessário pelos comodatários, os quais chegaram a idade avançada e demonstraram saúde especialmente debilitada, optou por reivindicar seu imóvel”. Assim, registra que o direito à propriedade da demandante não pode se sobrepor ao do direito dos demandados, por força da norma contida no artigo 230 da Constituição Federal. Isso porque “à semelhança do que ocorre com crianças e adolescentes, aos direitos dos idosos é assegurada prioridade absoluta e proteção integral por lei, o que deve ser observado de forma especial pela família”, pondera.
Diante disso, concluiu a juíza: “a despeito de a posse constituir faculdade oriunda do direito de propriedade que a autora possui sobre o imóvel sob disputa (art. 1.228 do CC), a necessidade de resguardo do bem estar psicológico e físico, isto é, da saúde dos requeridos, ao lado da inexistência de prova da necessidade urgente e imprevisível de utilização do imóvel pela requerente e da continuidade da necessidade do uso proposto no comodato impedem o acolhimento da pretensão possessória na situação sob exame, sem prejuízo de que a proprietária seja financeiramente compensada pela utilização de seu bem”.
Em sede de recurso, os desembargadores ressaltaram que os pais da autora, que já contam com mais de 85 anos de idade, são interditados e possuem debilidade física e mental atestada. Também observaram que, segundo laudo psicossocial, eventual mudança de moradia poderia implicar reflexos negativos no bem-estar físico e emocional de ambos, na medida em que residem no imóvel em questão por mais de 20 anos. Por fim, afirmaram, ainda, que, de acordo com o Estatuto do Idoso e do princípio da solidariedade familiar, é obrigação dos filhos dar assistência moral, psíquica e financeira aos pais em conformidade com o binômio possibilidade e necessidade.