Levantamento feito pela Folha revela que 14 dos 27 Tribunais de Justiça do país nunca abriram processo disciplinar para apurar desvio de conduta de seus desembargadores. De 19 investigações abertas em nove TJs, só três resultaram em punição. Quatro tribunais não responderam à reportagem de autoria das jornalistas Andrea Michael e Silvana de Freitas.
A quantidade irrisória de processos e punições nos TJs evidencia uma tradição do corporativismo. Até a criação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), em 2005, só os TJs podiam abrir esses processos.
“Imaginamos que a principal razão disso [número baixo de processos e punições] é o constrangimento de investigar o próprio colega”, afirmou o presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Rodrigo Collaço.
Os 1.300 desembargadores do país estão no topo da carreira da Justiça dos Estados. Com a criação do CNJ, os magistrados passaram a ficar expostos ao controle desse órgão. O CNJ informou que estão em curso no órgão 1.724 apurações contra magistrados.
As punições previstas na legislação são brandas: eles podem ser colocados em disponibilidade ou aposentados compulsoriamente. A demissão depende de sentença definitiva em processo judicial, que dificilmente é obtida.
Quando acusados de crimes, respondem a processos perante o STJ (Superior Tribunal de Justiça), porque têm foro privilegiado. O STJ nunca condenou nenhum desembargador.
Hoje, o CNJ pode reabrir processos disciplinares arquivados pelos tribunais. Fez isso em Minas Gerais: reabriu dois processos que tinham sido arquivados pelo TJ e pelo STJ.
O alvo é o desembargador Dorival Guimarães Pereira, acusado de ganhar uma caminhonete como pagamento para influenciar decisão judicial e R$ 60 mil por uma liminar.
O primeiro processo foi arquivado em 2004. O segundo tramitou um mês e meio. Tanto o TJ-MG quanto o STJ disseram que o arquivamento decorreu da falta de indícios. Já o CNJ entendeu o contrário e reabriu as investigações. Hoje o desembargador está afastado.
“Havia quase 20 provas documentais e testemunhais contra ele. O tribunal de Minas disse que elas eram relevantes e que o caso seria de demissão. Como essa pena depende de sentença judicial, a decisão foi pelo arquivamento”, disse o ministro do STJ Pádua Ribeiro.
Desde que foi instalado, o conselho enfrentou duas grandes batalhas contra desembargadores: a proibição do nepotismo e a tentativa de assegurar o teto salarial, de R$ 24.500, mas cedeu a pressões pelo pagamento acima do limite.
A antecipação da aposentadoria é freqüentemente utilizada como instrumento para evitar a punição. Foi o que ocorreu com a desembargadora Ana Tereza Murrieta, do TJ-PA.
Investigada sob a suspeita de ter se apropriado de R$ 4 milhões destinados a depósitos judiciais, ela se aposentou em 2003 para escapar do processo. Em 2005, foi denunciada pelo Ministério Público sob a acusação de ter praticado crimes de peculato, falsificação de documentos públicos e falsidade ideológica. Ela nega.
O TJ-SP, maior do país, com 360 desembargadores, abriu três processos disciplinares desde 1989 e arquivou todos.
Os tribunais da União também perderam a exclusividade de investigar seus integrantes com a criação do CNJ. A Folha questionou os cinco TRFs sobre processos administrativos.
Não responderam os de SP e PE. Os tribunais com sede em Brasília e no Rio informaram que, desde 1989, abriram quatro processos disciplinares, que resultaram em duas aposentadorias compulsórias.
O TRF sediado em Porto Alegre abriu uma investigação preliminar contra o desembargador federal Dirceu de Almeida Soares. Em seguida, aceitou mandado de segurança dele barrando a instauração do processo. O CNJ, no entanto, decidiu investigá-lo.