O pedido de desistência de ação judicial só pode ser formulado antes do julgamento do processo. A decisão judicial, sendo ato estatal, não pode ser desconsiderada por vontade das partes, ainda que estas estejam de acordo. Adotando o entendimento contido em voto do ministro Milton de Moura França, a Seção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho não conheceu (rejeitou) recurso de embargos da Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel), que pretendia a homologação de pedido de desistência formulado com seu consentimento por um empregado após a 50ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro haver proferido decisão em reclamação trabalhista.
A ação foi proposta em 1994 por um assistente administrativo que pleiteava reenquadramento funcional. Admitido em 1976, alegou que há mais de seis anos – desde junho de 1988 – exercia funções próprias de programador. A Vara do Trabalho julgou o pedido parcialmente procedente e condenou a Embratel a enquadrar o assistente no cargo de programador e a pagar as diferenças salariais daí decorrentes. A empresa recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (Rio de Janeiro) alegando que, como sociedade de economia mista, não poderia fazer o enquadramento sem a aprovação do trabalhador em concurso público, como prevê a Constituição Federal.
Após a interposição do recurso, mas antes de seu julgamento, o assistente administrativo informou à Vara do Trabalho não ter mais interesse na continuação da ação, e pediu a homologação da desistência. O pedido foi indeferido “face à existência de decisão já prolatada nos autos”. A sentença condenatória foi mantida pelo TRT, que considerou incontroverso o fato de o trabalhador exercer a função de programador desde data anterior à promulgação da Constituição Federal, e rejeitou o pedido de desistência – decisão mantida pela Primeira Turma do TST ao apreciar o recurso de revista da Embratel.
Nos embargos em recurso de revista à SDI-1, a Embratel afirmou que a decisão pela não homologação da desistência violava os artigos 267, § 4º do CPC e 896 da CLT. O primeiro prevê que “depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação”.
O ministro Moura França, autor do voto vencedor, ressaltou que “a desistência da ação significa que o autor não tem mais interesse no prosseguimento do processo, mas não de seu direito material, que, por isso mesmo, poderá oportunamente ser objeto de nova ação”. Embora o dispositivo do CPC defina que a desistência é possível desde que haja a concordância do réu – no caso, a Embratel –, “não há fundamento jurídico, no contexto de uma interpretação sistemática da legislação processual, e até mesmo da Constituição Federal, direito algum assegurado às partes para que desistam da ação após proferida a decisão.”
O redator do Acórdão explica que a Constituição não deixa dúvida alguma de que uma decisão judicial “é ato estatal e, por isso mesmo, insusceptível de ser objeto de desconsideração ou ineficácia no mundo jurídico por vontade das partes.” A possibilidade de desconstituição de decisão judicial é a ação rescisória, nos casos em que a decisão contenha “vício formal e/ou material que a contamine e que estão expressamente definidos na legislação ordinária”. Nos demais casos, uma vez proferida a decisão, “o que existe é a expressa manifestação estatal, que não pode, nem deve, ser desprezada pelas partes”.
Concluindo, o ministro Moura França afirmou que “a desistência da ação pressupõe, como é de boa lógica jurídica, uma ação ainda não julgada, de forma que, proferida a decisão, pode, sim, o autor renunciar ou transigir seu direito material, mas impossível que desista de ato que já não mais está na sua esfera jurídica subjetiva, porque, reitere-se, à sua vontade e à do réu, o Estado se faz presente em ato que subsiste, independentemente da vontade das partes litigantes.” (E-RR 537960/99.2)