O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, participou, na manhã desta quarta-feira (27), de audiência pública na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 42/03. A proposta prevê a ampliação do limite de aposentadoria compulsória do servidor público de 70 para 75 anos.
Para o ministro, o ponto principal da discussão é saber se se deve enfocar interesses de carreiras específicas ou o interesse do serviço público, pois, em certos casos, a ampliação do limite de idade pode diminuir as perspectivas de progressão na carreira. “Sou favorável à ampliação para os 75 anos, entendo que isso está dentro da modernidade”, disse Jobim. “A questão é saber se isso deve ou não ser tratado diferenciadamente para as diversas carreiras”, completou.
Veja, a seguir, a íntegra do pronunciamento do ministro Jobim sobre o assunto.
SI/EH
Jobim participa da audiência pública na CCJ (cópia em alta resolução)
“É um prazer voltar ao Senado e debater temas que dizem respeito ao interesse nacional. A PEC 42, de autoria coletiva, encabeçada pelo senador Pedro Simon, altera o inciso II das regras da aposentadoria, relativo ao artigo 40 – os demais dispositivos são ajustamentos às regras alteradas – e estabelece duas regras fundamentais: a compulsoriedade e a voluntariedade. Para a voluntariedade, estabelece a Constituição, no artigo 40, que para se aposentar, voluntariamente, precisar ter, no mínimo, dez anos de efetivo exercício, além do tempo de serviço correspondente.
A questão que temos de deixar clara é saber do que estamos tratando. Estamos tratando de interesses de carreiras ou de interesse do serviço público? Esse é o ponto. Se começarmos a discutir o problema do interesse das carreiras, na sua progressão, temos de diminuir o tempo de aposentadoria, para fazer um turnover [rotatividade] maior. Se estamos pensando se é conveniente ou não para o serviço público estender dos 70 para os 75 anos, a discussão tem de ser posta em termos do interesse público e não, do interesse específico da corporação respectiva.
Agora, é evidente que, como temos “n” tipos de serviço público, como foi dito pelo o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, e pelo eminente vice-presidente da República, José Alencar, é possível generalizar-se, ou temos de abrir exceções, e tratar diferenciadamente da perspectiva do interesse público? Hoje, temos compulsoriedade geral para 70 anos. Aposenta-se, compulsoriamente, quem atinge 70 anos. Voluntariamente, se cumpriu o tempo de serviço necessário e ainda se teve dez anos de serviço público. Quero lembrar que esse período de dez anos foi criado para evitar aqueles problemas de ingresso no serviço público com aposentadoria restrita, o que acontecia na magistratura.
A observação que podemos fazer de ordem prática é a seguinte. Se os senhores considerarem os dados, vão verificar que, na magistratura, a aposentadoria por tempo de serviço antes da compulsória é muito menor que a aposentadoria voluntária, ou seja, na magistratura, prefere-se a aposentadoria compulsória; os magistrados ficam até os 70 anos. Só não ficam até os 70 anos a maioria – veja bem, não estou dizendo que todos os magistrados da carreira da magistratura, que tenham iniciado na carreira, ficam até os 70 – a maioria prefere aguardar até os 70 anos e pretende que seja estendido até os 75 anos.
Os magistrados oriundos do quinto constitucional, ou seja, os advogados e membros do Ministério Público, fundamentalmente os advogados que são nomeados para os Tribunais de Justiça, para os Tribunais Regionais Federais e tribunais trabalhistas esperam concluir o tempo, hoje antes de cinco anos, para se aposentar. Preferem aposentar-se antes da compulsoriedade. Na verdade, não estou dizendo que é isso, mas dá tudo a indicar que o quinto constitucional é, às vezes, utilizado para resolver problemas de remuneração na velhice. O tempo de cinco anos no cargo foi estendido para dez, para evitar a situação de encurtamento do tempo. Tanto é que o turnover dentro dos tribunais no quinto constitucional é maior que o turnover, proporcionalmente, nas aposentadorias obrigatórias.
Se o parâmetro que os senhores vão adotar é o das carreiras, temos de levar em conta que as carreiras são distintas. Temos aqui, no caso desta mesa, a manifestação do embaixador Samuel, relativamente à carreira da diplomacia, em que, ao que tudo indica – pelo menos pelas informações genéricas, não tenho dados sobre isso – parece que o fenômeno que acontece na magistratura acontece na carreira dos diplomatas, ou seja, eles preferem chegar até os 70 anos, pra se aposentar mais na compulsória do que na do tempo de serviço.
Diz aqui o nosso ministro da Defesa, senhor vice-presidente da República, que com os militares a situação é distinta. Então vejam bem, se os senhores querem tratar isto da perspectiva das carreiras, podem estabelecer, como regra geral da Constituição, a aposentadoria obrigatória aos 75 anos, mas poderiam permitir que a legislação infraconstitucional pudesse reduzir para carreiras específicas.
Se os senhores considerarem a carreira, é verdadeiro que os 75 anos vão alongar a carreira e vai, portanto, trancar a progressão na carreira. Essa leitura é da perspectiva da renovação dos quadros. Isso não se aplicaria, por exemplo, como percebeu o senador Mercandante, aos tribunais superiores, já que não são tribunais da carreira da magistratura. Então, o discurso de que 70 anos tranca ou prejudica o prosseguimento da carreira não é discurso aceitável para os tribunais superiores, porque tanto o Tribunal Superior do Trabalho, o Superior Tribunal de Justiça, como o Supremo Tribunal Federal não são da carreira. Os Tribunais de Justiça, os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais Regionais do Trabalho são da carreira, porque há promoção para os tribunais regionais, de segundo grau, por merecimento e por antiguidade, promoções necessárias à abertura das vagas. Se aumentarmos para 75 anos, reduz-se o número de vagas para o acesso, quer por antiguidade, quer por merecimento. Lembrem-se de que a promoção é alternada: uma é por merecimento; outra, por antiguidade.
A questão é saber o seguinte: o quê se quer? Quer se considerar, como se considerou no Brasil, em 1934 e 1937, quando se tinha a compulsória de 68 anos; de 46 a 88 aumentaram para 70 anos, considerando o aumento da vida útil do indivíduo. Evidente que a preocupação aqui é a da transição. Nela, os que estão com a expectativa da promoção tendo em vista as vagas que serão abertas pela compulsória de 70 anos, vão ficar paralisados, adiadas suas pretensões, por mais cinco anos. Mas isso, num determinado momento, pára, porque todos entram no fluxo normal.
Vamos considerar para a reforma constitucional um problema de transição, que o tempo resolve em dez anos, ou vamos discutir o tema da perspectiva exclusiva do momento histórico que vivemos? Creio que o Senado tem condições de avaliar qual o interesse a ser privilegiado. Se o interesse é o interesse público, da prestação dos serviços, e se é viável, também, eventualmente abrir exceções à compulsoriedade. É claro que o argumento de que o sujeito fica exposto a certas moléstias, ou a determinados riscos, como é o caso do Exército, esse argumento afasta-se, porque a aposentadoria não é só a obrigatória. Mantida a voluntariedade, esses problemas ficam compensados.
Sou favorável à ampliação para os 75 anos, entendo que isso está dentro da modernidade. A questão é saber se isso deve ou não ser tratado diferenciadamente para as diversas carreiras. Se isso for tratado diferenciadamente, basta que se ponha uma vírgula no texto da proposta de emenda, fazendo com que seja possível que nas leis complementares, regulamentares da carreira – e aí teria de ser lei complementar, para evitar problemas das maiorias simples – e poderia estabelecer, para carreiras específicas, um tempo de compulsoriedade menor que 75 anos.
Insisto enormemente, e é preciso deixar isso transparente e claro: os senhores discutirão interesses de categoria ou interesses da nação? O que convém ao país? Da perspectiva meramente financeira – e é lamentável que não tenha vindo a esta audiência o senhor ministro do Planejamento – se tivermos alongamento de cinco anos, vejam o caso específico do Supremo Tribunal Federal. No Supremo, considerando-se a remuneração média de R$ 21.500 por ministro, temos um subsídio mensal total de R$ 103 mil, o que corresponde ao subsídio anual de R$ 1 milhão, 680 mil, que é a despesa do Supremo com a o atual quadro. Se tivermos uma nomeação, teríamos a remuneração de R$ 107 mil e vejam a diferença fundamental num total anual de R$ 3 milhões, 248 mil. Se ampliarmos para 75, vamos ter economia, com mais cinco anos de permanência, da ordem de R$ 7 milhões. Será que temos de considerar também as economias que possam se verificar nos Estados? Se temos aposentadoria de 70 anos, e se o conjunto de dez se aposenta aos 70 anos, durante cinco anos vamos ter o dobro da despesa: se é dez, passa a ser 20, porque teria de se pagar os aposentados mais aqueles que o substituem. Se você alonga em cinco anos, terá economia correspondente a esses cinco anos e aí poderíamos pensar por esse lado. É preciso fazer os cálculos e creio que a assessoria do Senado teria condição de fazê-lo. Muito obrigado.”
Resposta à primeira rodada de argüições:
“Considerando a questão legal, os tribunais superiores e o Supremo não são tribunais da carreira. Porque não há promoção para esses tribunais, quer por atividade, quer por merecimento. A promoção para os tribunais de segundo grau sim, se dá por atividade e merecimento. Aqui vem a observação feita pelo senador Aloísio Mercadante que é importante considerar nessa situação. Na verdade, os servidores do sistema Judiciário, tal qual se passa no Itamaraty, têm essa certa condição.
A aposentadoria se dá, normalmente, no final do período, ou seja, com 70 anos. Os juízes tendem a isso. Só não tendem a isso se nos cálculos que eles possam fazer, verifiquem que não têm condições de chegar à sua promoção no tribunal. Se isso acontecer, o juiz acaba se aposentando voluntariamente. Ele permanece na carreira e vai até os 70 anos se, dentro da movimentação no tribunal entre entradas e saídas, ele tiver possibilidade de ir para lá.
Aí nós temos a seguinte situação. O aumento do tempo de 70 para 75 pode estimular a saída no meio da carreira, ou seja, crescer a aposentadoria voluntária. Tendo em vista as circunstâncias de que não vai conseguir chegar ao ápice da carreira. Isso terá que ser examinado caso a caso. As vagas correspondentes a um terço no Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, são providas na pessoa de juízes oriundos dos tribunais regionais federais. Mas não têm direito a promoção nem por merecimento a este tribunal. Eles são votados numa lista sêxtupla do Superior Tribunal de Justiça e depois da lista tríplice, o presidente da República escolhe um. O inverso da escolha é que é limitado. Não há promoção e não há carreira nesse caso.
No Supremo não há esse problema, porque no Supremo não há necessidade de ser da carreira. São escolhas do presidente da República, indicações ao Senado. Já no Tribunal Superior do Trabalho a situação é um pouco diversa. No TST, quatro quintos do Tribunal vêm da carreira da magistratura trabalhista e o outro quinto é escolhido também por lista. A limitação é maior, ou seja, quatro quintos, e outro quinto é de advogados e promotores. No STJ, um terço é de tribunais regionais federais, outro terço é de tribunais de Justiça e o outro terço é dividido entre advogados e promotores. Tem uma diferença estrutural.
Nessa forma não há dificuldades em relação à carreira. Nenhum juiz de primeiro grau que já completou o tempo de aposentadoria, que já tem condições de se aposentar, já cumpriu 60 anos de idade ou 35 anos de contribuição, pois essa é condição de aposentadoria voluntária aplicável aos juízes, por força da remissão feita pelo artigo 93 da Constituição, vai ser estimulado a se aposentar. O fato de ter ou não vaga no tribunal superior não altera absolutamente a situação. Altera, sim, a situação em relação ao tribunal de Justiça ou tribunal regional federal correspondente.
Quanto a isso, o senador Aloizio Mercadante tem um pouco de razão, no sentido de que o engessamento da carreira vai estimular aposentadoria voluntária. Porque o sujeito não tem condições de chegar ao ápice da carreira considerando a extensão. Mas isso se resolve com o tempo. Uma vez que na entrada inicial dos 75 estaria resolvido o problema. Já ao que se referiu o senador Jéfferson Peres, ele tem razão. Isto, evidente, é uma questão de nós termos isto com clareza. Num ambiente de 30 juízes, num ambiente de dez, num ambiente de 11, 33, 27 ou 37 juízes, que são os tribunais superiores, num ambiente de 60 ou num ambiente de 120 ou num ambiente de 300 e poucos, que é o Tribunal de Justiça de São Paulo, as coisas ficam um pouco diferentes. Mas quanto menor, mais difícil é fazer com que a estátua caia sobre a cabeça daquele que se tem como doente, salvo ódios pessoais. Não há dúvida nenhuma, e o ministro está dizendo que as relações pessoais no Brasil são um elemento importante, no que diz respeito a esse tipo de situação.
Se os senhores optarem por uma situação legal, não deveriam mencionar na própria Constituição que vai ser submetido a exame médico. Deixa para a lei e na lei se estabelece os requisitos e formas que sejam mais convenientes. Porque se engessar a Constituição, depois fica muito mais difícil contornar eventuais equívocos. Um problema são os contra-casos que aparecem nos exemplos. Portanto, os senhores não devem renunciar à oportunidade de ter outras alternativas que não essas para resolver situações específicas, que foram referidas pelo eminente representante do Ministério das Relações Exteriores.
Eu sou absolutamente contrário ao engessamento de coisas em Constituição. Isso só determina duas coisas: ou a reforma da Constituição ou a quebra da Constituição. Porque os fatos não esperam a Constituição. Ou se derruba a Constituição ou se emenda a Constituição por estar acontecendo num momento em que você engessa tudo na Constituição. O engessamento na Constituição corresponde à redução das possibilidades dos próprios senhores, que são os legisladores, de estabelecer alternativas que o tempo possa determinar. Estabelece-se uma forma de reforma dos modelos pela legislação infraconstitucional, e não pelo texto constitucional.
A conveniência de ser lei complementar ou lei ordinária é uma questão que os senhores terão que examinar. Talvez seja conveniente a complementar ou não. Aí vai depender de uma análise que os senhores possam fazer. Nestes casos, em relação à magistratura, não tenho a mínima dúvida quanto à aplicabilidade tranqüila em relação aos tribunais superiores. Em relação aos demais, dependeria desse exame que poderia se fazer no texto legal e estabelecer regras que possam estimular a permanência na carreira.
Observem uma coisa curiosa, na magistratura surgiu um problema, que é o preço que se pagou pela experiência profissional. O texto agora que foi reformado aumentou de dois para três anos a exigência de experiência profissional para o concurso à magistratura. Ocorre que o magistrado fica três anos em estágio probatório. O jovem forma-se, começa a trabalhar e em três anos, se ele é muito bom, se estabelece. Aí ele opta em não ir para a magistratura porque corre o risco de ter que fechar o seu escritório profissional, ir para a magistratura, não se confirmar e ter de começar tudo de novo. Então, isso determinou uma não procura da magistratura por aqueles personagens que são os mais qualificados dentro dos cursos, que não têm aquilo que chamam de “vontade de ser juiz” ou “vontade de ser promotor”, não têm aquela vocação.
Eu creio que o assunto tem que ser tratado com lucidez. E lucidez significa não fechar a porta para o tratamento de situações diferenciadas. O fechamento da porta significa que os senhores estão jogando no futuro alguma coisa que o futuro pode negar. É a necessidade de ter tratamento diferenciado, aliás já identificado pelo próprio representante do Itamaraty. Isso só pode ser feito na elaboração legislativa complementar ou ordinária, mas nunca na legislação constitucional.
Não fechem janelas para tentar resolver contra-casos e necessidades circunstanciais que o desenvolvimento do processo histórico lembra. E lembrem-se, quando eu disse que temos que levar em conta a qualidade do serviço público, evidentemente, que a qualidade do serviço público está vinculada à carreira. Se numa determinada carreira, isso representa uma expulsória ou alimento para a aposentadoria voluntária, teríamos que encontrar um mecanismo para preservar o serviço público em sua integralidade.
Resposta à segunda rodada de argüições:
O debate demonstrou que essa matéria não deve ser engessada de forma absoluta na Constituição. Aqui surgiram algumas observações, inclusive a hipótese levantada pelo senador Simon, que é uma hipótese viável, mas também não deve ser engessada por uma razão muito simples. Coloque as palavras “motivos excepcionais” na Constituição, qualificando o motivo, e estariam transferindo para o Supremo Tribunal Federal julgar se a excepcionalidade que os senhores escolheram na lei é ou não excepcional.
Não é bom adjetivar normas, porque acaba transferindo o poder para outra casa, que não o próprio Senado ou a Câmara, da definição do conceito constitucional, já que a função do Supremo é interpretar a Constituição. Quanto menos qualificação adjetivada ou advérbios, melhor, porque a janela fica mais aberta para o trato. Creio que por aí pode-se caminhar atendendo, inclusive, a manifestação do embaixador quanto às peculiaridades da carreira, não só da magistratura como também as carreiras da diplomacia e da carreira militar.