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Busato: Poder Público é campeão em litigância de má fé

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, afirmou hoje (25), que o Poder Público – União, Estados e Municípios – é o campeão de entulhamento do Poder Judiciário.” O poder público é o maior litigante de má-fé que existe. É preciso aprovar uma legislação que evite que eles sempre recorram das decisões, mesmo quando sabem que vão perder”, afirmou.

A Ordem dos Advogados do Brasil – garantiu Busato – defende que a celeridade processual tem que ser feita por uma reforma infraconstitucional. E é preciso, primeiro, aparelhar melhor o Poder Judiciário por meio da reforma do Judiciário para que eles tenham condição de absorver uma reforma das leis processuais.

O advogado Roberto Busato, 49 anos, estará pelos próximos três anos à frente de uma das instituições mais influentes da sociedade brasileira: Ordem dos Advogados dos Brasil. Busato expõe a posição da Ordem em relação à reforma do judiciário e às reformas trabalhista e política. O novo presidente já está se movimentando para que a instituição tenha um papel importante nas discussões.

Eis, na íntegra, a entrevista do presidente nacional da OAB a jornalista Clarissa Furtado, do Diário do Comércio, de São Paulo:

P – Como a OAB avalia a reforma do Judiciário?

R – Para a instituição, o controle externo é um ponto emblemático. A ordem se arroga a paternidade desse conceito já que, desde 1986, na Conferência Nacional dos Advogados, levantamos este ponto. Há quase uma unanimidade sobre a sua importância, com exceção de alguns grupos que defendem um controle externo, mas apenas com membros da Magistratura. Ou seja, eles querem o que já existe: um controle interno que não está sendo eficiente. Nós separamos o Judiciário em duas partes, uma do poder soberano do juiz ao proferir a sentença, que não pode ser atingido nem mesmo pela cúpula da Magistratura e a outra, que tem que ser controlada, que é a gestão. Para nós o juiz é, de um lado, quase um sacerdote quando julga e, de outro lado, um funcionário público que deve ser controlado. O controle seria uma iniciativa mais racional e imediata para se fixar os procedimentos para punir quem se afastar da ética.

P – Qual a opinião do senhor e da Ordem a respeito da súmula vinculante?

R – A súmula tiraria a independência do juiz e a sua autonomia de decisão. Vejo uma contradição nos setores que são contra o controle externo, alegando que ele prejudicaria a independência dos juízes, mas defendem a adoção da súmula. Sem dúvida, a súmula vinculante eliminaria parte dos recursos que atrasam os processos, mas é um remédio com um efeito colateral muito grande. Tem um custo caro e engessa o Direito. Nosso sistema jurídico ainda está em construção e, além disso, nosso país tem uma diversidade regional muito grande. Um fato social ocorrido em Porto Alegre, por exemplo, pode ter implicações muito diferentes do que se tivesse ocorrido em Macapá. Por esta razão, o juiz tem que conhecer essas cores locais para interpretar a lei e não pode ficar vinculado a uma súmula já pronta.

P – O que pode ser feito, então, para resolver o problema da lentidão da Justiça?

R – Um dos principais causadores da lentidão é o poder público, responsável por 80% do movimento forense. O poder público é o maior litigante de má-fé que existe. É preciso aprovar uma legislação que evite que eles sempre recorram das decisões, mesmo quando sabem que vão perder. A Ordem defende que a celeridade processual tem que ser feita por uma reforma infraconstitucional. E é preciso, primeiro, aparelhar melhor o Poder Judiciário por meio da reforma do Judiciário para que eles tenham condição de absorver uma reforma das leis processuais.

P – Qual a sua avaliação do governo Lula?

R – Como afirmei em meu discurso de posse, acredito que o governo Lula decepciona um pouco. Havia uma esperança muito grande no governo e eles ainda não responderam aos anseios da sociedade. É preciso deixar de apresentar apenas slogans na pauta social, como o Fome Zero, e realizar mudanças de fato. O presidente teve uma grande aceitação da população porque se esperava dele o rompimento de um estado de coisas, mas isso não aconteceu.

P – Como a OAB está avaliando a denúncia contra o assessor parlamentar Waldomiro Diniz?

R – Com muita preocupação. Tendo em vista a tradição do presidente e do PT e, por conseqüência, do modelo político que eles sempre defenderam, de moralidade absoluta, um fato deste matiz se torna preocupante e devolve as coisas para um estado anterior, que achávamos que estivesse superado.

P – Qual a opinião da OAB a respeito da reforma política?

R – O episódio do Waldomiro Diniz mostra que a reforma política é necessária. Não é possível haver esse tipo de relacionamento entre políticos e empresários com interesses escusos. Precisamos discutir o financiamento público das campanhas eleitorais e regras políticas claras e duradouras. Não é possível que, a cada ano, se discutam novas regras. Também não é possível que a fidelidade partidária só seja útil no momento de o candidato se eleger.

P – E sobre a reforma trabalhista, que o governo está pretendendo mandar ao Congresso em 2005?

R -Também é muito importante e a OAB já está se adiantando para discutir as mudanças, que merecem uma reflexão grande. Na última quinta-feira, visitei o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e conversei com o atual e com o futuro presidente. Estabelecemos uma agenda de trabalhos ao longo deste ano para podermos discutir qual o modelo adequado para a reforma. Queremos andar unidos – a OAB e os magistrados do trabalho – para que quando o assunto chegar ao Congresso nós tenhamos um consenso final para a modernização da lei trabalhista. Por enquanto, já temos um conceito preliminar definido, de que precisamos aperfeiçoar o sistema de conciliação, mas temos ainda o ano todo para discutirmos outros pontos.

P – Qual é a sua principal bandeira à frente da instituição?

R – Pretendemos iniciar em breve uma grande campanha para expor à sociedade a importância da defesa das prerrogativas do advogado. Queremos mostrar a importância da liberdade e da independência do advogado como uma vantagem social para o brasileiro. Também pretendemos mostrar que estamos sempre atentos à ética dos advogados já que, na nossa profissão, assim como na Magistratura, qualquer deslize ético atinge todo o segmento. Queremos mostrar à sociedade em geral, não só aqueles que criticam a Ordem alegando que não temos controle externo e que não queremos fiscalização do Tribunal de Contas da União, toda a movimentação financeira da instituição. Todos os dados ficarão abertos a quem queira verificar a licitude das contas da Ordem. É bom lembrar que só trabalhamos com recursos oriundos da advocacia, não recebemos nenhum recurso público, e nossos dirigentes todos trabalham voluntariamente, sem qualquer tipo de ajuda financeira.

P – Como a Ordem está avaliando a atual situação dos cursos de direito?

R – É uma situação de calamidade. Temos conhecimento de 762 faculdades em funcionamento atualmente. Pelos critérios técnicos da Ordem, a maioria oferece uma formação defeituosa. Trata-se de um estelionato cultural, muitas vezes toda uma família faz um sacrifício para conseguir que uma pessoa se forme em Direito e o diploma não vale nada. Todo ano, cerca de 70 mil bacharéis se formam e uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia de Estatísticas (IBGE) prevê que serão 140 mil daqui a dois anos. Não é só uma questão de não haver mercado para todos, mas uma questão de cidadania, de Código de Defesa do Consumidor. Estão vendendo cursos de direito como uma mercadoria estragada. Levamos nossa preocupação ao Ministro da Educação, Tarso Genro, e ele se mostrou vivamente preocupado e suspendeu por 90 dias a criação de novos cursos. Mas isso só não basta. É preciso acabar com os cursos bizarros, ou “caça-níqueis”, como disse o ministro, que são aqueles que funcionam em salas de cinema ou de madrugada. O ministro demonstrou vontade política para resolver esse problema.