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Costa Leite: “Descumprir decisão judicial é um desapreço à Justiça”

O presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Paulo Costa Leite, disse hoje (20) que, ao contrário de descumprir a decisão que determinou o repasse imediato às universidades dos recursos para o pagamento dos salários de outubro aos professores universitários, o governo federal deveria recorrer ao Supremo Tribunal Federal para esclarecer de uma vez por todas se o Decreto 4.010, de 12/11/2001, alcança decisões judiciais anteriores a sua edição.

“Se hoje se está dizendo que o Superior Tribunal de Justiça não é mais competente, então o STJ estaria usurpando competência do Supremo Tribunal Federal. Se está usurpando, cabe reclamação ao STF. O que não me parece correto é simplesmente se descumprir a decisão judicial. Porque isso, eu repito, é um desapreço à Justiça, e não devem existir atitudes desse tipo em um Estado Democrático de Direito”, afirmou o ministro Paulo Costa Leite.

O decreto centralizou no presidente da República a autorização para liberação de recursos para pagamento de funcionários públicos da administração federal e, com isso, deslocou a competência do julgamento da questão para o Supremo Tribunal Federal, o foro que julga atos do presidente da República.

A seguir a íntegra da entrevista concedida pelo presidente do STJ, após participar do Seminário “Discriminação e Sistema Legal Brasileiro”, no Tribunal Superior do Trabalho:

P – No caso da greve dos professores, o ministro da Educação insiste em dizer que a decisão do STJ não é para ele. Não há um descumprimento da ordem judicial por parte do Executivo?

R – Isto está posto como um caso concreto, está sendo julgado pelo Superior Tribunal de Justiça. O relator certamente haverá de tomar as providencias cabíveis. Se ele entender que há descumprimento de uma decisão judicial, ele vai buscar no ordenamento jurídico as medidas que devem ser tomadas. Particularmente entendo que a decisão deveria ser cumprida, se não for objeto de um recurso, uma reclamação para o Supremo Tribunal Federal, por exemplo. Se hoje se está dizendo que o STJ não é mais competente, então o Tribunal está usurpando a competência do STF. E se está usurpando, cabe reclamação ao STF. O que não me parece correto é simplesmente se descumprir a decisão judicial. Porque isso, eu repito, é um desapreço à Justiça, e não devem existir atitudes desse tipo em um Estado democrático de Direito.

P – Que tipo de penalidade cabe a um ministro que não cumpre uma decisão de um ministro do STJ?

R – Isso vai depender muito da decisão do relator. Em princípio, como se trata de uma autoridade pública, o que pode o relator fazer é pedir a abertura, a instauração de Inquérito. Por isso é que eu tenho me debatido – se fosse com um particular, o particular estaria cometendo um crime de desobediência. A autoridade pública não está. É por isso mesmo, por coisas como essas que eu tenho dito que nós devemos ter uma figura específica, um crime específico, e mais do que isso, que o descumprimento de decisão judicial se revele como ato de improbidade, criando inelegibilidades. Assim, nós não teríamos mais o descumprimento de decisões judiciais.

P – Isso resultaria num Inquérito?

R – Diante da inexistência de um tipo penal específico, ou seja, de não existir um crime praticado pela autoridade pública por descumprimento de uma decisão judicial, quer dizer, um crime no Código Penal, isso pode até resultar num crime de responsabilidade, que é outra coisa. Mas, em função disso, o que cabe é pedir a instauração, a abertura de Inquérito, até porque a autoridade, no caso, não está sujeita a jurisdição do STJ. Está sujeito a jurisdição do Supremo Tribunal Federal em matéria criminal. Então não é possível que se tenha outra medida. Agora, tudo vai depender, eu repito, daquilo que o relator decidir nos autos. Nós estamos diante de um caso concreto e aí depende muito de como o relator vai se comportar.

P – Ele pode decidir também por multa, impeachment, cabe isso, ministro?

R – Isso é uma decisão do relator. Se o relator entender que cabe, ele vai aplicar a multa. Isso vai depender, eu repito, daquilo que for o entendimento jurídico do relator. Seria leviandade de minha parte adiantar aqui o que vai ser feito ou que não será feito. Isso é do relator e, evidentemente, de acordo com aquilo que o relator entender que é aplicável, tem os recursos a disposição.

P – Como o senhor está vendo estas atitudes do Executivo com relação ao Judiciário e, principalmente, ao STJ, passando para o STF…?

R – Eu já disse, a minha opinião a respeito daquele decreto presidencial já manifestei em outras ocasiões. Eu entendo que ali se utilizou de um artifício, transferindo uma competência administrativa do ministro da Educação para o presidente da República, para descumprir a decisão judicial do Superior Tribunal de Justiça. E já disse que, a meu juízo significa um desapreço – não só ao STJ – mas a todo o Poder Judiciário. Aliás, isso tem sido uma freqüência, o Poder Judiciário tem sido alvo de freqüentes manifestações de desapreço, o que não se comporta bem dentro dos princípios democráticos.

P – Qual o instrumento legal para fazer o governo cumprir a decisão judicial ou só se pode contar com o bom senso do governo?

R – No verdade o que se discute, pelo que eu li, é que a competência não mais seria do STJ, que por esta razão o governo não estaria cumprindo esta decisão judicial. Mas isso vai ser examinado pelo relator, posteriormente pelo órgão competente no STJ. O que me parece importante é que, se o governo entende que a questão já não é mais competência do STJ, então porque não ajuiza uma reclamação no STF?

P – O decreto foi posterior a decisão do ministro Gilson Dipp, por esta razão ele não retroage?

R – Esta é realmente matéria controvertida. Este decreto alcança àquelas decisões judiciais que foram tomadas antes da edição do decreto? Haveria esta retroação? Há quem diga que sim, há quem entende que não. Eu entendo que, se há uma decisão judicial em relação a ato que foi praticado por quem era competente naquele momento, não vai haver, evidentemente, nenhum prejuízo em função de ter mudado a competência. Prevalece então, efetivamente, a decisão judicial. Este é o meu entendimento. Este entendimento, evidentemente, não é compartilhado, principalmente, pela Advocacia-Geral da União.

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