Médico de hospital credenciado pelo SUS que presta atendimento a segurado, por ser considerado funcionário público para efeitos penais, pode ser sujeito ativo de concussão. Para a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que decidiu não conceder habeas-corpus a um médico, a simples leitura do conceito de funcionário público adotado antes mesmo da complementação realizada pela Lei n. 9.983/00 revela que todos aqueles que, embora transitoriamente e sem remuneração, venham a exercer cargo, emprego ou função pública estão incluídos no conceito de funcionário público para fins penais.
O pedido de habeas-corpus foi apresentado contra a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que negou o pedido do acusado visando à declaração da prescrição do delito e a sua absolvição. Foi condenado a dois anos de reclusão em regime aberto, pela prática do delito descrito no artigo 316 (concussão), combinado com 327, ambos do Código Penal: “exigir, para si ou para outrem, ainda que fora da função, vantagem indevida”; “considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”.
Inconformados, tanto o Ministério Público quanto a defesa apelaram com recursos de apelação. Esta, pediu a declaração da prescrição do delito e, no mérito, a absolvição do acusado sob o fundamento de não ter havido dolo na conduta praticada e de ele não possuir a condição de funcionário público, necessária à configuração do tipo penal. A acusação, por sua vez, pediu a adequação da substituição da pena dada pela sentença de primeiro grau.
Foi aceita, apenas parcialmente, a alegação do MP, determinando que a pena aplicada fosse substituída por pena restritiva de direitos consistente em prestação de serviços à comunidade, além de prestação pecuniária no valor de dez salários mínimos.
A decisão levou a defesa a apresentar habeas-corpus no STJ. Sustenta ser impossível a lei penal retroagir para atingir a conduta praticada pelo acusado, pois, à época dos fatos, não vigia a Lei n. 9.983/00 e, sendo o acusado médico conveniado, não poderia ser equiparado a funcionário público. Aduz-se, portanto, ser atípica a conduta praticada, diante do princípio da reserva legal, em virtude da inexistência de lei vigente à época do fato para embasar a condenação.
O relator do processo no STJ, ministro Gilson Dipp, concorda que a legislação que acrescentou ao Código Penal o parágrafo no qual se define funcionário público é posterior à data dos fatos pelos quais o médico foi denunciado. O ministro salienta, contudo, contrapondo-se às alegações de impossibilidade da equiparação do acusado à condição de funcionário público, que, nos crimes de concussão cometidos por médicos que atendem beneficiários do INAMPS/INSS/SUS ou por administradores de hospitais credenciados à autarquia, os agentes se enquadram no artigo 327 do Código Penal, pois a administração pública delega os serviços públicos de saúde do SUS aos particulares que, por sua vez, passam a exercer função pública delegada.
O ministro Gilson Dipp, relator do processo, destacou que, pela simples leitura do conceito de funcionário público adotado pelo Código Penal, não só aqueles que ingressaram nos quadros da administração pública por meio de regular concurso estão sujeitos a praticar os delitos, mas também aqueles que, embora transitoriamente e sem remuneração, venham a exercer cargo, emprego ou função. “Mercê desse instrumento legal, amplia-se o conceito de funcionário público para fins penais. Portanto descabido se falar na data de ocorrência do fato, por ser anterior à alteração legal, pois, independentemente da modificação ocorrida, o caput do dispositivo onde se conceitua funcionário público e no qual se fundamenta a equiparação, restou inalterado”, afirma o relator.