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STJ julga contrato de leasing cambial firmado antes da desvalorização do Real em 1999

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça começou a julgar processo envolvendo a questão dos contratos de leasing cambial (arrendamento mercantil) firmados por consumidores brasileiros antes de janeiro de 1999, mês em que o governo adotou forte desvalorização do real e mudou sua política de câmbio. O resultado do julgamento, que é o primeiro sobre esta questão a entrar em julgamento no STJ, poderá ser decisivo para o futuro de ações semelhantes que tramitam no Tribunal. O processo trata dos reajustes desse tipo de contrato, que era indexado à variação do dólar e cujas prestações sofreram aumento excessivo com a brusca valorização do dólar frente ao real. Diante desse quadro, milhares de consumidores recorreram à Justiça para pedir a anulação da cláusula de correção cambial.

Relatora do processo, a ministra Nancy Andrighi já apresentou seu voto, favorável à nulidade da cláusula contratual de indexação do leasing pelo dólar. A ministra considera que a desvalorização cambial acarretou “excessiva onerosidade ao consumidor”. Seu voto foi acompanhado pelo ministro Antônio de Pádua Ribeiro, enquanto o ministro Ari Pargendler, presidente da Terceira Turma, pediu vista. O julgamento será retomado somente quando o ministro reapresentar o processo em uma sessão da Turma. Além dele, falta votar o ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Na hipótese de ambos firmarem posição contrária à da ministra relatora – caso em que o julgamento ficaria empatado em dois votos –, será convocado um ministro da Quarta Turma para desempatar a votação. A Terceira Turma, desde a aposentadoria do ministro Waldemar Zveiter, está com quatro ministros.

O processo pioneiro em julgamentos do STJ envolvendo contrato cambial de leasing, é um recurso especial de autoria do ABN Amro Arrendamento Mercantil S/A. O banco de origem holandesa está recorrendo de decisão da Justiça estadual do Rio de Janeiro, que julgou procedente, numa ação revisional de contrato, o pedido do servidor público José Carlos da Silva Vieira para anulação da cláusula de correção cambial. O contrato de leasing foi celebrado entre a instituição financeira e o servidor carioca com o objetivo de lhe arrendar, com opção de compra, um veículo Volkswagen da marca Gol, estipulando que as prestações, pagas em reais, acompanhariam a oscilação do dólar. A decisão da primeira e segunda instâncias judiciais, apoiada pela ministra Nancy Andrighi, ao anular a correção cambial, determinou a aplicação do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) em substituição.

“A desvalorização da moeda nacional frente à moeda estrangeira que serviu de parâmetro ao reajuste contratual, por ocasião da crise cambial de janeiro de 1999, apresentou grau excessivo de oscilação, a ponta de caracterizar onerosisidade excessiva que impede o devedor de solver as obrigações pactuadas”. Esta foi a base da argumentação da ministra Nancy Andrighi para, em seu voto, rejeitar o recurso do ABN Amro e confirmar a nulidade da cláusula contratual de correção cambial, concedida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A ministra relatora sustentou em sua decisão, com base em precedentes já julgados no STJ, que o arrendamento mercantil é uma operação subordinada ao Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90). Em seu artigo 6º, inciso V, o CDC reza que é direito do consumidor a “modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos superveniententes que as tornem excessivamente onerosas”.

Além disso, a ministra concluiu que, frente à desvalorização cambial, “a equação econômico-financeira deixa de ser respeitada quando o valor da parcela mensal sofre um reajuste que não é acompanhado pela correspondente valorização do bem da vida no mercado”. À alegação do ABN Amro de que também a instituição foi prejudicada pela variação cambial de janeiro de 1999, a relatora salientou que “é ilegal a transferência de risco da atividade financeira, no mercado de capitais, próprio das instituições de credito, ao consumidor”.

Também a Quarta Turma (que julga, como a Terceira Turma, questões de direito privado no STJ), deve pautar para o próximo mês duas ações de contratos de leasing com cláusula de reajuste baseada na variação cambial. Nelas, a GM Leasing S/A, no Rio de Janeiro, e a Ford Factoring Fomento Comercial Ltda., no Mato Grosso do Sul, recorrem contra decisões judiciais que favoreceram consumidores com a anulação dessa cláusula. Segundo aquelas decisões, a GM terá de substituir a correção cambial pela Taxa Referencial (TR), enquanto no caso da Ford o indexador foi alterado para Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Em ambos os processos, cujo relator é o ministro Sálvio de Figueiredo, a nulidade da cláusula de reajuste cambial foi definida pela Justiça estadual sob argumento de que, ante a brusca desvalorização do real em janeiro de 1999, o contrato passou a representar “ônus excessivo” ao consumidor.

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