Com base no voto da presidenta da Turma, ministra Nancy Andrighi, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão unânime, manteve Acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que condenou a BF Utilidades Domésticas Ltda. a indenizar em R$ 10 mil, por danos morais, a dona de casa Carolina de Lima Padilha, moradora do Bairro Jardim Leopoldina, em Porto Alegre (RS). Por razões processuais, a Turma, aplicando o Regimento Interno e a Súmula de n. 7 do próprio STJ, que veda o reexame de provas pelo Tribunal, não conheceu do recurso da BF Utilidades Domésticas, ficando mantida, assim, a decisão da Justiça gaúcha.
A dona de casa Carolina de Lima Padilha entrou com pedido de indenização por danos morais, pedindo R$ 20 mil de indenização, alegando haver sido induzida a erro por duas vendedoras do carnê do Baú da Felicidade. Segundo relatou, foi procurada em sua residência no dia 2 de fevereiro de 1995, por duas representantes do Baú da Felicidade, que estavam numa Kombi da empresa, as quais lhe disseram ter vindo avisá-la de que havia sido sorteada com uma casa própria, precisamente o sonho mais acalentado pela família, que mora de aluguel.
As vendedoras do carnê informaram que as boas notícias não paravam por aí. Segundo elas, além desse primeiro imóvel, Carolina também tinha sido sorteada com uma outra casa, como segundo prêmio, só que não poderia ser para ela, mas para outra pessoa que ela indicasse. Carolina imediatamente designou sua mãe para ficar com a outra casa. Os dois prêmios seriam entregues em São Paulo, durante o programa do Sílvio Santos. Para fazer jus aos prêmios, no entanto, havia uma única condição: Carolina teria que adquirir imediatamente oito carnês, o que a levou a gastar todo o dinheiro que possuía com a aquisição.
Como as prometidas passagens aéreas não chegavam, Carolina e sua mãe procuraram a loja do Baú com o propósito de colherem mais detalhes sobre os prêmios. Lá, no entanto, foram informadas pelo gerente da loja de que haviam sido vítimas de estelionatárias, que inclusive já haviam sido afastadas da empresa, em razão de queixas de outras pessoas por elas enganadas. O gerente afirmou que o máximo que poderia fazer era devolver os valores por elas pagos.
O pedido de indenização por danos morais de Carolina foi julgado improcedente pela juíza de direito da 15ª Vara Cível de Porto Alegre, tendo a Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça, por maioria, mantido a sentença contrária à dona de casa. No entanto, ao apreciar seu recurso de embargos infringentes, o Terceiro Grupo de Câmaras Cíveis, por unanimidade, lhe deu ganho de causa. Prevaleceu o ponto de vista do desembargador João Pedro Freire, que ficara vencido ao acolher o recurso de Carolina Padilha.
Para o desembargador, se a vendedora do carnê induz a cliente a erro, levando-a a crer que foi premiada com uma casa própria, para cujo recebimento deve apenas adquirir o carnê, a empresa responsável por este, na condição de empregadora, responde pelos danos morais causados pelos seus vendedores, nos termos do Código Civil.
O TJ/RS entendeu que a empresa que explora o comércio de vendas de carnês para aquisição de mercadorias, com previsão de sorteios de bens entre os adquirentes, responde pela reparação dos atos de seus representantes, principalmente quando consistentes em anúncio de contemplação inexistente, como forma de incrementar as vendas. Entendeu, por isso, caracterizada, no caso, a culpa da empresa, ao entregar o encargo das vendas a pessoas sem os necessários atributos de honestidade e confiabilidade, que induziram a erro muitos compradores, na tentativa de vender mais carnês.
Daí o recurso da BF Utilidades Domésticas Ltda., para o STJ, alegando que não existe nexo causal entre sua atividade e a situação causada à dona de casa, bem como que o empregador só responde pelos atos de sua responsabilidade real e efetiva, e não por atos pessoais dos próprios empregados, contrários à orientação do empregador.
Inadmitido o recurso especial, a recorrente interpôs agravo de instrumento, que foi provido pela ministra Nancy Andrighi, para melhor exame da matéria.
Ao julgar o processo, a ministra relatora, em voto que foi acompanhado por toda Terceira Turma, considerou que a modificação do entendimento adotado pelo TJ/RS implicaria necessariamente o reexame das provas dos autos, o que não é permitido pela Súmula 7 do STJ. A ministra entendeu também não ter ficado comprovado o alegado dissídio entre a decisão recorrida e a jurisprudência do STJ, pelo que não conheceu do recurso do Baú da Felicidade, ficando mantido, assim, o Acórdão favorável à dona de casa gaúcha.