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Supremo devolve administração de hospitais ao município do Rio de Janeiro

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, hoje (20/4), que os hospitais Miguel Couto e Souza Aguiar, da cidade do Rio de Janeiro, voltarão a ser geridos pelo município. A decisão também impede que a União utilize os servidores, bens e serviços contratados pelo município nos outros quatro hospitais que retornaram à gestão federal – Hospital da Lagoa, Hospital Municipal do Andaraí, Hospital Geral de Jacarepaguá (Cardoso Fontes) e Hospital Geral de Ipanema.

O plenário concedeu Mandado de Segurança (MS 25295) impetrado pelo município contra dispositivos do decreto 5.392/05 do presidente da República, que declarou estado de calamidade pública no setor hospitalar do Sistema Único de Saúde (SUS) da capital fluminense.

Na ação, o município apontou violação da autonomia municipal, pois a requisição determinada no decreto se traduziria em forma de intervenção federal não autorizada pela Constituição Federal. Argumentou, ainda, que não seria possível a requisição das instalações e serviços dos hospitais Miguel Couto e Souza Aguiar, pois sempre foram de propriedade do município e por ele administrados, ao contrário dos outros hospitais federais cedidos por convênio à administração municipal. O município pediu a suspensão dos efeitos do artigo 2º, incisos V e VI e parágrafos 1º e 2º do artigo 2º do decreto presidencial.

O relator da matéria, ministro Joaquim Barbosa, votou inicialmente pela concessão parcial do mandado de segurança. Disse entender que o decreto presidencial não configurava intervenção no município do Rio de Janeiro, mas um ato de natureza administrativa. No entanto, afirmou que a motivação do decreto era insuficiente.

“Não vejo qualquer alusão precisa aos motivos de fato ou de direito que foram determinantes na prática do ato de requisição dos hospitais municipais. O ato não faz alusão a qualquer fato ou circunstância, comportamento, ato jurídico praticado pelo município do Rio que tenha conduzido o presidente da República a editar o decreto”, afirmou Joaquim Barbosa.

O relator disse ainda constatar a inconstitucionalidade dos parágrafos 1º e 2º do artigo 2º do decreto, por autorizarem a requisição de recursos financeiros do município. Esses dispositivos dispõem que o ministro da Saúde poderia requisitar todos os recursos financeiros afetos à gestão de serviços e ações que se fizerem necessárias aos hospitais, ofende, de acordo com Joaquim Barbosa, o artigo 30, inciso III, da Constituição Federal, na parte em que atribui ao município a gestão de suas rendas.

“A requisição de bens, serviços e servidores tem delimitação objetiva, sobretudo se considerada a relevância dos aportes e repasses federais ao SUS no município. A ampliação para requisição de recursos financeiros municipais poderia ferir de morte a autonomia municipal”, afirmou.

Ao final do julgamento, no entanto, o ministro Joaquim Barbosa reformulou seu voto no sentido de conceder integralmente o mandado de segurança.

O ministro Carlos Ayres Britto, o segundo a votar, ressaltou que o decreto atacado seria, na verdade, não uma requisição de bens e serviços, mas uma intervenção disfarçada e acrescentou que a medida não tem previsão constitucional, ou seja, a União não poderia intervir em município. “Entendo que o município foi desafetado de um serviço que lhe é próprio sem processo administrativo ou judicial”, afirmou Ayres Britto. Ele considerou, por fim, que houve desrespeito ao princípio da legalidade e votou pela concessão integral do mandado de segurança.

O ministro Cezar Peluso também considerou o ato da União impregnado de nulidade “radical e absoluta” por falta de motivação e ausência de prazo determinado para a requisição. Ele afirmou que a requisição prevista no artigo 5º, inciso XXV da Constituição Federal, pressupõe que o bem requisitado tenha destinação diversa. No caso, afirmou que houve expropriação temporária do poder de administração do município. “Sob a roupagem de requisição, a União retirou do município o poder de gerir seus bens e, nestes termos, a meu ver, configura uma fraude constitucional, pois seu resultado prático é a intervenção”, salientou Peluso.

No mesmo sentido votou o ministro Gilmar Mendes, que chegou a fazer uma alusão ao Estado de Sítio e ao Estado de Defesa que, por representarem medidas excepcionais previstas na Constituição Federal, têm prazo certo para durar, o que não aconteceu com o decreto presidencial. Mendes disse que, a vingarem tais medidas, “teríamos intervenções tópicas, tornando o prefeito ou governador um tipo de rainha da Inglaterra”.

A ministra Ellen Gracie entendeu, por sua vez, que a questão revela conflito federativo e que a possibilidade de requisição de bens prevista na Constituição da República seria apenas de bens particulares e não públicos. Ela também concedeu integralmente o pedido.

O ministro Marco Aurélio considerou o caso emblemático porque revelaria de “forma escancarada” o momento vivido da perda de parâmetros trazidos pela Carta Magna. Finalizou dizendo que não se trata de intervenção, pois essa medida cabe aos estados.

Ao afirmar que o Supremo deve garantir o pacto federativo, o ministro Carlos Velloso ressaltou que a medida atacada se revela “inconstitucionalíssima”. Ele comentou que a constituição prevê a cooperação técnica e financeira entre a União, estados e municípios na prestação de serviços à saúde, não cabendo, no caso, intervenção nos serviços municipais.

Celso de Mello também votou pela inconstitucionalidade integral do decreto presidencial. Para o ministro, “o fato é que a utilização de mecanismos excepcionais não poderá traduzir meio dissimulado da prática de atos de nítido caráter interventivo, cuja prática é expressamente vedada pela Constituição, tratando-se da União em suas relações com os municípios”.

Da mesma forma, o ministro Sepúlveda Pertence considerou o caso como de intervenção federal em município, “o que a Constituição Federal não permite” e, por fim, o presidente do Supremo, ministro Nelson Jobim, concluiu a votação acompanhando os demais votos.